WÉSTERN

                                                FAROESTE

Genaro bem como Maria, os dois descendentes de italianos, tinham um restaurante, basicamente desde que se casaram.  Tinham sonhado em ter muitos filhos, mas os anos passavam, nada acontecia.  

Genaro, meu pai, então resolveu finalmente pedir ajuda a uma tia distante, que trabalhava justamente no departamento que recebia crianças abandonadas.  Eles queriam bebês, mas queriam criar desde pequeno.

O primeiro que conseguiram foi Genaro, ou Junior, pois tinha levado o nome de meu pai, era loiro de olhos verdes, muito branco, nesse ponto como minha mãe, Maria, que tinha a pele que parecia de papel branco.   Era uma delícia ficar deitado nos seus braços.

Um dia receberam um chamado da prima, essa dizia que tinha outro bebê que ninguém queria, porque devia ter alguma mistura de raças complexa.  Esse era eu, nunca se soube direito de que raça ou raças tinha no meu sangue.  Era moreno, cabelos negros, segundo as fotos, estavam em pé como um porco espinho.                     Mas Genaro, pai, mal me viu se apaixonou, Maria lhe argumento que seu outro filho era muito branco, mas ele não quis escutar. 

Olha parece um porco espinho, com esse cabelo, eu era assim quando nasci, de uma certa maneira fui seu filho querido toda a vida.             Me deu o nome de seu avô, que tinha chegado a América, atrás do sonho de ficar rico, mas nunca mais voltou a sua Sicília natal.  Fiquei com seu nome, Guiseppe, dizia também que era o nome de um grande compositor de ópera italiano, mas a ópera nunca foi o meu forte.

Os dois tínhamos a mesma paixão, os filmes de cowboys,  ele era fã de John Wayne, eu ao contrário era fã dos índios que apareciam nos filmes, não podia entender por que sempre perdiam.    Mas ficava quieto, porque a única vez que ousei a falar no assunto me olhou feio, como podia querer que os índios ganhassem de John Wayne.   Via seus filmes milhões de vezes, mas só gostava dos que ele fazia montado num cavalos.  Os filmes de guerra, romance, essas coisas não lhe interessavam.  

Eu comprava todas os gibis, dos heróis dos filmes, Zorro com o Tonto, Don Chicote, por ai vai, já meu irmão era mais moderno, gostava de coisas espaciais, Flash Gordon, coisas do gênero.

Então tinha meu momento predileto, na hora que ele me chamava para sentarmos no sofá para ver algum filme que passava de tarde, quando estava livre do restaurante.    Eu ficava ali ao seu lado, vendo pela milionésima vez  por exemplo Centauros do Deserto, em que o personagem dele busca sem cessar sua sobrinha raptada pelos comanches.   Eu achava que ela devia ficar com eles, porque o resto da família era muito chatos, viviam brigando.   Mas ficava quieto, me maravilhando com a paisagem que mostrava o filme.   Meu irmão nesse momento saia da sala, zombando dizendo, esses que vivem no passado.

Eu em silencio, num momento de alguma luta, torcia para que o índio ganhasse a luta, mas mesmo assim, quem sempre ganhava era o mocinho, meu pai dizia que ganhava, porque era amigo do diretor do filme.  Riamos muito com isso.   Outras vezes, de tanto ver, dizia, tentando me enganar, vamos fazer uma aposta, ele vai lutar, cair na água do rio, mas vai sair seco, com o chapéu na cabeça.   Apostava com ele, porque sabia que adorava ganhar.    O amei desde que tive consciência disto.  Era recíproco, me queria muito, me dava uns abraços apertados, beijos em ambos lados da cara.  Eu adorava, meu irmão ao contrário, em seguida, limpava a cara, anos mais tardes dizia que nosso pai era um beijoqueiro nato.

Mamãe, tentava equilibrar tudo.  Estava sempre rindo, dizia ao Genaro, um dia os dois vão entrar casa adentro, montados em cavalos, vestidos de Cowboy, soltando tiros, vão sujar a sala inteira.

Eu já imaginava o cavalo, soltado uma bela cagada no seu tapete mais querido, ria com a imagem.  Ela me olhava feio, mas quando lhe contava, acabava rindo, meu irmão ao contrário, levantava os ombros, como dizendo quanta besteira.

Mas tudo isso se acabava, quando sentávamos na mesa para comer um belo espaguete, raviólis, ou qualquer prato italiano feito por ela.

Quando fiz 12 anos, me perguntou o que queria de aniversário?

Lhe disse que queria ir numa festa, no Arizona, em que se reunião muitas tribos, a cara do meu irmão que estava sempre pedindo o último relógio, ou alguma coisa muito moderna.  Até eu ri dele, me chamou de maluco, era a oportunidade me disse de pedir alguma coisa cara.

Meu pai, alugou um motorhome, lá fomos os dois, a tal reserva.   Foi fantástico, ele logo se entrosou com pessoas que iriam ser posteriormente amigos seus até o final de sua vida, eu passava o tempo todo correndo com os outros garotos não me importava a que tribo pertencessem, me sentia em casa.  Podia me aproximar dos cavalos,  quando me ofereceram montar um, corri para pedir a autorização a ele.   Foi o momento mais emocionante da minha vida, foi quando decidi ser veterinário.     No final do dia estava moído, me doíam as pernas, mas feliz.

O dono dos cavalos, ficou amigo do meu pai, disse que tinha um rancho, em que recebia pessoas que vinham passar férias, ficava perto do Vale dos monumentos, já deserto, antes de voltar para casa, passamos para conhecer.   Foi amor à primeira vista.

Quando voltamos, passávamos o tempo todo falando no que tínhamos vivido, a partir de então todos os anos íamos a esse encontro de tribos.   Algumas vezes minha mãe se atreveu a vir, eu já então lia tudo o que me caia nas mãos.   Um dia com muito tato, enquanto víamos um filme 7 homens e um destino, lhe perguntei, se ele achava que eu tinha sangue índio nas veias também.

Não sei filho, mas sei por que estas perguntando isso, quando estas lá, te sentes em casa, verdade?

Sim pai, adoro estar no deserto, é como se por minhas veias essa parte de sangue corresse mais rápido.   Meu irmão que sonhava ser médico, disse que realmente meu sangue devia ser diferente, sangue de algum louco cowboy tonto.

Por incrível que pareça, não fiquei ofendido.   Ele desapontado, porque não reagi, como ele esperava.

Ele foi para a Universidade, realizar seu sonho.  Nossos pais tinham economizado a vida inteira para isso.   Creio que para ele, foi como se liberar de uma carga do passado, que ele não queria, porque quase não, escrevia ou chamava por telefone.   Minha mãe ficava triste, eu ao contrário  não pensava ir embora,  queria estudar veterinária.   Estava para me decidir, quando fomos por última vez todos juntos, menos claro meu irmão, ao festival Navajo.  Sentado entre as pessoas, escutei dois índios falando, se os brancos não tinham vergonha, colocavam nos filmes duas pessoas índias falando, quem escuta, deve pensar que estão falando nossa língua, mas pode ser chinês, japonês ou qualquer outra merda.   Se não tomamos providência, nossa cultura vai morrer.

Me aproximei, lhes perguntei, se não existia livros com o idioma, maneiras de como falar, eu ia adorar ler.

Me disseram que havia poucas coisas sobre o assunto. Pouca gente se interessava nisso, teria que procurar os velhos que ainda falavam o idioma para registrar.  Tomei a decisão que tentaria fazer isso.

Fui quando tive uma experiencia a princípio traumática.  Estava ajudando nas cocheiras, alimentar os cavalos com forragem, quando um homem, me agarrou por detrás, não conseguia ver sua cara, segurava os meus braços, me chamando de seu franguinho, abaixou as minhas calças, me atirou no chão, abusando de mim.   Fiquei ali desacordado muito tempo, até que escutei a voz de meu pai, angustiada me procurando.  Quando me encontrou ficou furioso, me abraçou, subiu minhas calças, me levou para a Motorhome, me limpou me tranquilizando, com o tempo vais esquecer disso.   Mas foi falar com os responsáveis.   Esses reclamavam o mesmo, todos os anos, tinham um ou dois casos, nunca resolvidos, pois as vítimas, nunca viam o agressor.    Eu tinha visto, uma tatuagem, meio colocada embaixo de um relógio com pulseiras negras, nada mais.   Mas sabia que um dia me vingaria.

Quando chegou o momento de escolher o que queria estudar, claro em primeiro lugar, estava veterinária,  comecei a procurar se em algum lugar tinha cursos sobre a língua dos nativos, foi difícil encontrar.   Na própria universidade tinha um único professor, fui descobrir depois que era o amigo de meu pai, com quem ele estava sempre falando.

Riu quando me apresentei em seu gabinete,  agora que querem me colocar para fora da universidade, pois no semestre passado não consegui nenhum aluno, agora me apareces tu. Preciso de mais um.  Fiquei rezando, comentei com meu pai.  Ele foi se inscrever para fazer o curso.  Talvez isso o tenha ajudado a suplantar a morte de minha mãe,  pois eu pensei que ele iria enlouquecer.  Ficava horas com o retrato dela nas mãos, algumas vezes ouvi chama-la para fazer algum comentário.  Tinha vendido o restaurante, disse que estava velho demais para tanto trabalho.  Não se preocupava por mim, pois eu tinha uma bolsa de estudos muito boa, por ter sido um excelente aluno.

Mas nada o magoou mais que a negativa de meu irmão, em vir ao enterro de nossa mãe, acho que para ele foi como se livrar de um lastre.    Eu iria estudar na cidade, portanto não precisava ir-me de casa.   Ele ficou feliz da vida.  Agora tínhamos mais um para assistir os filmes, o professor.  Ele dizia que agora estava em desvantagem, pois era dois contra um, torcendo pelos índios.

Um dia o professor, me trouxe um livro, que se tornou meu livro de cabeceira, “Bury my heart at wounded Knee” , traduzido, Enterrem meu coração na curva do rio, de Dee Brown  depois consegui todos seus livros, os guardo até hoje.  Foi talvez o livro mais importante da minha vida.

Além de meu pai, conseguimos outro aluno, um dos meus companheiros de jogos, tínhamos discussões imensas.  Compaginava meu curso de veterinária com o de línguas.  As pessoas diziam que eu estava louco.   Para contrariar todo mundo dizia que o fazia, para poder falar com os cavalos selvagens.  Riam mais ainda.

Mas tudo tem um fundo de verdade, essa era minha loucura desde criança, nos filmes que apareciam os índios, subindo a um cavalo sem cela nenhuma , quando muito com um troço de pele ou manta de caribu.   Estava tão vidrado nisso, que no ano seguinte, quando fomos todos ao festival Navajo, resolvi montar a pelo numa carreira, só não sabia que havia que colocar os ovos para cima, cheguei a final, mas mal podia andar.  Meu amigo índio ria horrores de mim.   Só mesmo tu para fazer uma loucura desta.   No dia seguinte, nos apresentamos os dois vestidos com roupas que tínhamos conseguido, de peito nu, com uma pluma de águia na cabeça, todo mundo me confundia com um deles. Fiquei imensamente feliz.  Meu pai quando voltamos ainda quis contatar sua parente para saber se podíamos descobrir quem eram meus pais verdadeiros.

Ela já tinha morrido a tempos,  nada de nada.  Tomei a consciência falando com meu amigo, que também tinha sido criado por outras pessoas, que na verdade nossos pais verdadeiros, eram os que nos tinham criado, nos dado amor.

Isso eu tinha de sobra.  Agora meu grande prazer quando íamos ao festival, era me sentar com os velhos, conversar.  Se riam, diziam que os jovens queriam falar inglês, que ninguém queria essa língua.   Comecei a botar palavras no papel, procurava encontrar sentido nas palavras, nas frases.  Não sabia aonde ia chegar.

Quando acabei o curso de veterinária fui fazer um curso de especialização.  Queria aprender a lidar com cavalos.  Convenci meu pai de me acompanhar.  Fiz inclusive uma chantagem, como ia seguir em frente sem meu grande apoio.   Ele cedeu.   Justo no meio dessa etapa, um professor me convidou para ir para o Dubai, um Sheik Árabe tinha uma bela coleção de cavalos, esse professor, cuidava do hospital que este tinha montado, me convidou para ir junto.   Lhe disse o de meu pai.  Não seja por isso, ele pode vir também.

Convence-lo foi uma barra.  Tive que encosta-lo na parede, se eu fosse, quem ia cuidar de mim, ou como poderia ficar despreocupado.   Ele sabia que não podia contar com meu irmão, quando muito mandava um cartão no natal.  Em carne e osso nunca mais o vi.

Foi comigo.  Os dois adorávamos explorar o deserto, inclusive ele fez muitos amigos por lá, quando estava livre, os dois acampávamos no deserto, ficávamos deitados em cima de um belo tapete, olhando as estrelas, eram diferentes das que havia na  América.

Quando voltamos, soube que meu amigo, estava em Taos, trabalhando com um homem que fazia esculturas em ferro.   Fomos até lá.   Nos apaixonamos os dois pelo lugar.   Começamos a procurar um  rancho para viver.  Mas nunca queriam nos vender, até que o professor foi até lá, interferiu. Dizendo que meu pai era mais índio que muitos deles.

Um dia fui visitar meu amigo para lhe dar a boa notícia, o vi beijando o homem com quem trabalhava.  Pela primeira vez na minha vida senti ciúmes.  Mas depois entendi por que, sempre estivera  pensando nele, mas nunca tinha me decidido a dar o primeiro passo.

Talvez por medo de ofender meu pai, ou de ser rechaçado, não sei.

Quando falei com ele, lhe disse que estava contente que tivesse encontrado alguém.

Encontrado alguém, não sei do que falas!

Te vi beijando o homem para quem trabalhas.

Ah, ele apenas me felicitava pelo primeira escultura completa que fiz.  Já vendeu inclusive, fiquei tão contente, que o abracei,  ele achou que isso queria dizer outra coisa, me beijou, mas não gostei.  Sempre amei outra pessoa.  Ficou me olhando demoradamente.

Não sabia o que fazer, até que ele me agarrou pelos meus cabelos, me beijando. Bert, me disse que sempre tinha me amado, desde criança, mas eu também o queria desde essa época.

Estávamos começando a escolher cavalos, tinha comprados uns quantos cavalos antes selvagens, como eu gostava, falava com eles, os acariciava.   Mas no fundo estava preocupado, como diria ao meu pai, que gostava de outro homem.

Mas foi ele quem entrou no assunto.  Dizendo que se preocupava, pois já estava velho demais para cuidar de mim.   Que pouco poderia me ajudar com os cavalos, pois já não conseguia se manter em cima de um deles como devia.   

Porque não chamas o Bert para vir viver aqui, a quantos anos vocês são amigos, os dois nunca tiveram uma namorada, achas que sou cego. Até posso ser, mas tonto não.  Não perca tempo meu filho, a vida é curta.

Bert veio viver lá em casa, montamos numa parte do celeiro, um lugar para ele trabalhar nas suas coisas quando quisesse.

O Sheik para quem tinha trabalhado, veio para conhecer os cavalos, numa visita que fazia aos Estados Unidos, fizemos um acordo, ele escolhia um cavalo, em troca me mandava um puro sangue.   Eu sabia que iria me mandar um que nunca serviria para uma corrida, mas nem por isso deixaria de ser um garanhão.   Concordei.   Mandou um avião buscar, disse o nome do cavalo.   Me lembrei, era um que tinha salvado da morte.  O cavalo, quando me viu, relinchou, logo estava misturado com uma manada de éguas.   Sheik Ibrahim, me disse que a primeira cria seria dele, queria ver o que saia.

Se ele percebeu se havia alguma coisa entre mim e Bert, nunca disse, pois depois viajamos os dois para visitar seu harem de éguas de criação.  Ele ficava louco, quando me via entrar no círculo de cavalos, ir falando com eles, os mesmo se aproximando, encostando a cabeça no meu ombro.  Ele tentava, mas nenhum chegava perto, a não ser claro se ele oferecesse alguma coisa.

Nos deu duas éguas, para ver como elas se saiam no meio dos meus cavalos, assim começamos uma sociedade.             O governo americano não gostou muito, mas para mim era uma besteira, porque quando queriam conseguir algum contrato com os Sheik, me procuravam primeiro.

Com o dinheiro, fui comprando mais terrenos, justo detrás do rancho, havia uma ravina com água, acabei comprando,  os novos potros, soltava por la, assim tinham como correr, agua corrente,  viveriam livres.   Sempre aparecia algum índio procurando trabalho, os contratava, alguns rancheiros brancos não entendiam.  A mim me importava um caralho.  Depois de algum tempo diziam, apesar de teu pai ser italiano, eres um índio nato.

Quando começavam a trabalhar para mim, tinha que assinar um contrato, que nunca beberiam em serviço, pois isso me permitiria o colocar na rua.  Sabia que a bebida, as drogas, acabavam com eles.

Um que tinha trabalhado para mim,  um dia chegou me dizendo, que ia embora, não conseguia viver sem a bebida nem as drogas.  Eu já sabia, pois desaparecia um dia ou dois.   Tempos depois soube que estava preso, pediu que fosse vê-lo na cadeia.   Fui, estava acabado, tinha matado sua mulher num ataque de ira.  Me pediu que criasse seu filho, pois seus pais tinham muita idade.   Já os tinha avisado, quando cheguei com os papeis que me davam a guarda da criança.  Quando cheguei em casa, com o bebê no colo, meu pai me disse, finalmente um neto, creio que foi assim que ele fez quando cheguei em sua casa, mal largava o garoto.  Falava o tempo todo com ele, na língua que tínhamos aprendido.

A família foi crescendo, pois sempre aparecia alguém que não podia criar mais um filho, sabiam que ali teríamos amor para dar.  Bert se revelou um paizão.   Foi o primeiro a ensinar o garoto a estar em cima de um cavalo.   Meu pai da varanda, ria muito, batia com as mãos no joelho.

Já estava nessa alturas, com 95 anos.  Um dia fomos procurados por um advogado.  Veio nos contar que meu irmão, sua mulher, tinham morrido num acidente de carro.  Até a pouco tempo não sabia que teu irmão tinha uma família.  Nunca mencionava nada.  Sua mulher era órfã, foi quando descobrimos em seus documentos, sua certidão de nascimento.  A guarde poderá ser de vocês.  Fez um sinal para o carro, desceram duas crianças, que eram a cópia exata do meu irmão.  Meu pai como sempre os acolheu, agora a família crescia.

Teríamos que criar mais filhos, trabalhar mais.  Bert se encarregou de encontrar escolas para eles,  o negócio com o Sheik prosperou.    Agora tínhamos um cavalo selvagem que corriam como loucos, o duro era doma-los, pois eram mais arisco que os outros.

Riam comigo, quando eu entrava na ravina, cantando alguma música que tinha aprendido nos Festivais Navajos, ficavam todos ao meu lado, então como se nada, montava num deles segurando sua crina, dávamos bons galopes.

Meu pai faleceu com quase 100 anos, o fez a sua maneira, rindo como um louco vendo seus netos brincarem de cowboys, montados em cavalos.  Como sempre uma batalha de índios, só que queriam ser todos índios.      Estava sentado na varanda, com Bert, rindo como um louco, quando teve um enfarte.   Morreu com um sorriso na cara.

Seu enterro foi muito concorrido.  Mas seu desejo foram obedecidos.   Na ravina, construímos uma plataforma, como tínhamos visto nos filmes, nos livros, ele com sua melhor roupa, deitado em cima.  Ia sempre olhar como estava.  Até um dia que já só havia um esqueleto, juntei todos os ossos, então enterrei junto com os de minha mãe.   Já os podia ver do outro lado conversando como sempre.    Mas nunca pude perdoar meu irmão o fato de termos abandonado.  Levei anos para entender por quê.  Um dia, vimos que o quarto do meu pai tinha que ser liberado, os meninos estavam grandes, precisavam repartir os quartos.  Já eram grandes demais para dormirem em beliches.   Encontrei uma caixa com as coisas que tinha ficado para trás quando meu irmão foi embora.

Num caderno normal, que nas primeiras páginas, tinha uns exercícios de matemática, ao folear, vi que da metade para trás estava escrito com as letras dele alguma coisa.  Separei, nessa noite depois que os garotos foram para a cama.  Me sentei na poltrona que era de meu pai, ali comecei a ler, a entender. 

Dizia que não conseguia ter essa sintonia que eu tinha com meu pai.   Lhe parecia uma coisa idiota essa idolatria com  John Wayne, filmes de cowboys,  não conseguia gostar do assunto, mais adiante depois de termos voltado da primeira vez do festival, dizia que os dois devíamos ter sido índios ignorantes no passado.  Como um italiano podia gostar dessas coisas, a mim ele entendia, pois estava na cara que tinha sangue índio.

Que por isso, em vez de fazer um curso sério, só pensava em trabalhar com cavalos, que ele tampouco gostava muito.   Ele queria um futuro numa grande cidade, aonde pudesse ser um médico respeitado.  Que nem nossa mãe o entendia, pois estava sempre nos defendendo, olhe são como duas crianças,  mas são felizes.

Eu não posso dizer nada, amei meus pais com loucura,  principalmente ele, que me acompanhou anos, sempre me deu conselhos seguros.   Sempre esteve do meu lado quando precisei.  Sentia pena por ele ter perdido tudo isso.   Mas não importava, se ele soubesse que seu filho amava nas brincadeiras fazer papel de índio.  Estava sempre com uma pena de águia enfiada nos cabelos, que o mesmo montava cavalo a pelo, como eu o fazia.    Não sei se será médico algum dia, mas que de momento é feliz, eu podia garantir.  Que chamavam de pai, a mim e ao Bert.   Quando foi oficializado o matrimonio gay, não tivemos dúvida, nosso padrinho foi o professor, no alto dos seus 90 anos.   Agora quando íamos ao festival Navajo, íamos com toda a família, mais um caminhão com cavalos.

Melhor era impossível, era tudo que tinha sonhado para minha vida.

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